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quarta-feira, 2 de maio de 2018

SEMINÁRIO DE TENDÊNCIAS PEDAGÓGICAS NO BRASIL

SEMINÁRIO DE TENDÊNCIAS PEDAGÓGICAS NO BRASIL

PROFª PATRICIA MANESCHY (2012)



TENDÊNCIAS PEDAGÓGICAS NA PRÁTICA ESCOLAR
Cipriano Luckesi

Nos capítulos anteriores, fizemos um esforço para compreender a relação existente entre Pedagogia e Filosofia, mostrando, de um lado, que pedagogia se delineia a partir de uma posição filosófica definida; e, de outro lado, compreender as perspectivas das relações entre educação e sociedade. Verificamos que são três as tendências que interpretam o papel da educação na sociedade: educação como redenção, educação como re­produção e educação como transformação da sociedade.

Neste capítulo, vamos tratar das concepções pedagógicas propriamente ditas, ou seja, vamos abordar as diversas tendências teóricas que preten­deram dar conta da compreensão e da orientação da prática educacional em diversos momentos e circunstâncias da história humana. Desse modo, estaremos aprofundando a compreensão da articulação entre filosofia e educação, que, aqui, atinge o nível da concepção filosófica da educação, que se sedimenta em uma pedagogia. Genericamente, podemos dizer que a perspectiva redentora se traduz pelas pedagogias liberais e a perspectiva transformadora pelas pedagogias progressistas.

Essa discussão tem uma importância prática da maior relevância, pois permite a cada professor situar-se teoricamente sobre suas opções, articu­lando-se e autodefinindo-se.




1 O presente capítulo de autoria de José Carlos Libânco é a reprodução do capítulo 1 - "Tendências Pedagógicas na Prática Escolar" - do livro Democratização da escola pública: pedagogia crítico-social dos conteúdos, São Paulo, Loyola, 1985, autorizada pela Editora e pelo autor, aos quais agradecemos. Foram introduzidas modificações na Introdução do capítulo para articulá-lo com o conteúdo deste livro.




Para desenvolver a abordagem das tendências pedagógicas utilizamos como critério a posição que cada tendência adota em relação às finalidades sociais da escola. Assim vamos organizar o conjunto das pedagogias em dois grupos, conforme aparece a seguir:

l. Pedagogia liberal

1.1 tradicional

1.2 renovada progressivista

1.3 renovada não-diretiva

1.4 tecnicista

2. Pedagogia progressista

2.1 libertadora

2.2 libertária

2.3 crítico-social dos conteúdos




É evidente que tanto as tendências quanto suas manifestações não são puras nem mutuamente exclusivas o que, aliás, é a limitação principal de qualquer tentativa de classificação. Em alguns casos as tendências se complementam, em outros, divergem. De qualquer modo, a classificação e sua descrição poderão funcionar como um instrumento de análise para o professor avaliar a sua prática de sala de aula.

A exposição das tendências pedagógicas compõe-se de uma caracte­rização geral das tendências liberal e progressista, seguidas da apresentação das pedagogias que as traduzem e que se manifestam na prática docente.




1. Pedagogia liberal

O termo liberal não tem o sentido de "avançado", "democrático", "aber­to", como costuma ser usado. A doutrina liberal apareceu como justificação do sistema capitalista que, ao defender a predominância da liberdade e dos interesses individuais da sociedade, estabeleceu uma forma de organi­zação social baseada na propriedade privada dos meios de produção, tam­bém denominada sociedade de classes. A pedagogia liberal, portanto, é uma manifestação própria desse tipo de sociedade.

A educação brasileira, pelo menos nos últimos cinqüenta anos, tem sido marcada pelas tendências liberais, nas suas formas ora conservadora, ora renovada. Evidentemente tais tendências se manifestam, concretamen­te, nas práticas escolares e no ideário pedagógico de muitos professores, ainda que estes não se dêem conta dessa influência.

A pedagogia liberal sustenta a idéia de que a escola tem por função preparar os indivíduos para o desempenho de papéis sociais, de acordo com as aptidões individuais, por isso os indivíduos precisam aprender a se adaptar aos valores e às normas vigentes na sociedade de classes através do desenvolvimento da cultura individual. A ênfase no aspecto cultural esconde a realidade das diferenças de classes, pois, embora difunda a idéia de igualdade de oportunidades, não leva em conta a desigualdade de con­dições. Historicamente, a educação liberal iniciou-se com a pedagogia tra­dicional e, por razões de recomposição da hegemonia da burguesia, evoluiu para a pedagogia renovada (também denominada escola nova ou ativa), o que não significou a substituição de uma pela outra, pois ambas conviveram e convivem na prática escolar.

Na tendência tradicional, a pedagogia liberal se caracteriza por acen­tuar o ensino humanístico, de cultura geral, no qual o aluno é educado para atingir, pelo próprio esforço, sua plena realização como pessoa. Os conteúdos, os procedimentos didáticos, a relação professor-aluno não têm nenhuma relação com o cotidiano do aluno e muito menos com as reali­dades sociais. É a predominância da palavra do professor, das regras im­postas, do cultivo exclusivamente intelectual.

A tendência liberal renovada acentua, igualmente, o sentido da cultura como desenvolvimento das aptidões individuais. Mas a educação é um pro­cesso interno, não externo; ela parte das necessidades e interesses indivi­duais necessários para a adaptação ao meio. A educação é a vida presente, é a parte da própria experiência humana. A escola renovada propõe um ensino que valorize a auto-educação (o aluno como sujeito do conheci­mento), a experiência direta sobre o meio pela atividade; um ensino cen­trado no aluno e no grupo. A tendência liberal renovada apresenta-se, entre nós, em duas versões distintas: a renovada progressivista2, ou pragmatista, principalmente na forma difundida pelos pioneiros da educação nova, entre os quais se destaca Anísio Teixeira (deve-se destacar, também a influência de Montessori, Decroly e, de certa forma, Piaget); a renovada não-diretiva orientada para os objetivos de auto-realização (desenvolvi­mento pessoal) e para as relações interpessoais, na formulação do psicólogo norte-americano Carl Rogers.

A tendência liberal tecnicista subordina a educação à sociedade, tendo como função a preparação de "recursos humanos" (mão-de-obra para a indústria). A sociedade industrial e tecnológica estabelece (cientificamente) as metas econômicas, sociais e políticas, a educação treina (também cien­tificamente) nos alunos os comportamentos de ajustamento a essas metas. No tecnicismo acredita-se que a realidade contém em si suas próprias leis, bastando aos homens descobri-las e aplicá-las. Dessa forma, o essencial não é o conteúdo da realidade, mas as técnicas (forma) de descoberta e aplicação. A tecnologia (aproveitamento ordenado de recursos, com base no conhecimento científico) é o meio eficaz de obter a maximização da produção e garantir um ótimo funcionamento da sociedade; a educação é um recurso tecnológico por excelência. Ela "é encarada como um instru­mento capaz de promover, sem contradição, o desenvolvimento econômico pela qualificação da mão-de-obra, pela redistribuição da renda, pela ma­ximização da produção e, ao mesmo tempo, pelo desenvolvimento da ‘cons­ciência política’indispensável à manutenção do Estado autoritário”3. Uti­liza-se basicamente do enfoque sistêmico, da tecnologia educacional e da análise experimental do comportamento.




2 A designação "progressivista" vem de "educação progressiva", termo usado por AnísioTeixeira para indicar a função da educação numa civilização em mudança, decorrente do desenvolvimento cientifico (idéia equivalente a "evolução" em biologia). Esta tendência inspira-se no filósofo e educador norte-americano John Dewey. Cr. Anísio Teixeira, Educação progressiva.

3 Kuenzer, Acácia A. e Machado, Lucília R. S. "Pedagogia tecnicista". In: Mello, Guiomar N. de (org.), Escola nova, tecnicismo e educação compensatória. 3ª ed. São Paulo, Ed. Loyola, [1988]. p. 34.

1.1 Tendência liberal tradicional

Papel da escola - A atuação da escola consiste na preparação inte­lectual e moral dos alunos para assumir sua posição na sociedade. O com­promisso da escola é com a cultura, os problemas sociais pertencem à sociedade. O caminho cultural em direção ao saber é o mesmo para todos os alunos, desde que se esforcem. Assim, os menos capazes devem lutar para superar suas dificuldades e conquistar seu lugar junto aos mais capazes. Caso não consigam, devem procurar o ensino mais profissionalizante.

Conteúdos de ensino - São os conhecimentos e valores sociais acu­mulados pelas gerações adultas e repassados ao aluno como verdades. As matérias de estudo visam preparar o aluno para a vida, são determinadas pela sociedade e ordenadas na legislação. Os conteúdos são separados da experiência do aluno e das realidades sociais, valendo pelo valor intelectual, razão pela qual a pedagogia tradicional é criticada como intelectualista e, às vezes, como enciclopédica.

Métodos - Baseiam-se na exposição verbal da matéria e/ou demos­tração. Tanto a exposição quanto a análise são feitas pelo professor, ob­servados os seguintes passos: a) preparação do aluno (definição do trabalho, recordação da matéria anterior, despertar interesse); b) apresentação (real­ce de pontos-chaves, demonstração); c) associação (combinação do conhe­cimento novo com o já conhecido por comparação e abstração); d) gene­ralização (dos aspectos particulares chega-se ao conceito geral, é a expo­sição sistematizada); e) aplicação (explicação de fatos adicionais e/ou re­soluções de exercícios). A ênfase nos exercícios, na repetição de conceitos ou fórmulas na memorização visa disciplinar a mente e formar hábitos.

Relacionamento professor-aluno - Predomina a autoridade do pro­fessor que exige atitude receptiva dos alunos e impede qualquer comuni­cação entre eles no decorrer da aula. O professor transmite o conteúdo na forma de verdade a ser absorvida; em conseqüência, a disciplina imposta é o meio mais eficaz para assegurar a atenção e o silêncio.

Pressupostos de aprendizagem - A idéia de que o ensino consiste em repassar os conhecimentos para o espírito da criança é acompanhada de uma outra: a de que a capacidade de assimilação da criança é idêntica à do adulto, apenas menos desenvolvida. Os programas, então, devem ser dados numa progressão lógica, estabelecida pelo adulto, sem levar em conta as características próprias de cada idade. A aprendizagem, assim, é receptiva e mecânica, para o que se recorre freqüentemente à coação. A retenção do material ensinado é garantida pela repetição de exercícios sistemáticos e recapitulação da matéria. A transferência da aprendizagem depende do treino; é indispensável a retenção, a fim de que o aluno possa responder às situações novas de forma semelhante às respostas dadas em situações anteriores. A avaliação se dá por verificações de curto prazo (interroga­tórios orais, exercício de casa) e de prazo mais longo (provas escritas, trabalhos de casa). O esforço é, em geral, negativo (punição, notas baixas, apelos aos pais); às vezes, é positivo (emulação, classificações).

Manifestações na prática escolar - A pedagogia liberal tradicional é viva e atuante em nossas escolas. Na descrição apresentada aqui incluem-se as escolas religiosas ou leigas que adotam uma orientação clássico-huma­nista ou uma orientação humano-científica, sendo que esta se aproxima mais do modelo de escola predominante em nossa história educacional.



1.2 Tendência liberal renovada progressivista



Papel da escola - A finalidade da escola é adequar as necessidades individuais ao meio social e, para isso, ela deve se organizar de forma a retratar, o quanto possível, a vida. Todo ser dispõe dentro de si mesmo de mecanismos de adaptação progressiva ao meio e de uma conseqüente integração dessas formas de adaptação no comportamento. Tal integração se dá por meio de experiências que devem satisfazer, ao mesmo tempo, os interesses do aluno e as exigências sociais. À escola cabe suprir as ex­periências que permitam ao aluno educar-se, num processo ativo de cons­trução e reconstrução do objeto, numa interação entre estruturas cognitivas do indivíduo e estruturas do ambiente.

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